Enem terá videoprova para alunos surdos
Já imaginou como seria fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em outra língua? É assim que os candidatos surdos, que têm o português como segunda língua, se sentem ao fazer a prova. Mas neste ano, em caráter experimental, o exame trará uma novidade.
Além de poder optar pelo auxílio de tradutores-intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e de Leitura Labial, já disponibilizados em outras edições, os participantes vão poder fazer a videoprova, que traduz, integralmente, para Libras o exame. É a primeira vez que o recurso é oferecido em 19 anos.
“O aluno vai fazer a prova na sua primeira língua”, diz Nanci Araújo Bento, professora de língua portuguesa como segunda língua para surdos na Associação Educacional Sons do Silêncio (Aesos). Em uma sala separada, os participantes receberão um notebook e DVDs, nos quais estão gravados em vídeo um intérprete de Libras, dando as orientações da prova, os enunciados das questões e as alternativas. Ao final, o aluno marca as respostas, normalmente, no cartão-resposta.
Entre os 6,7 milhões de candidatos no Brasil que tiveram sua inscrição confirmada, 1.897 optaram por fazer a videoprova, número maior que as solicitações por tradutor-intérprete de Libras e por recurso de leitura labial – 1.489 e 1.000 solicitações respectivamente, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Na Bahia, 311 candidatos optaram pela videoprova, segundo o Inep.
Dificuldades
A professora Nanci explica que a estrutura linguística do português é diferente da de Libras, por isso, a leitura das questões não é simples. A estudante surda Jaiane Lopes, 23 anos, fez o Enem no ano passado e sentiu muita dificuldade para resolver a prova em português. “Eu demorei muito, porque essa não é minha língua. Não consigo entender todas as palavras. Tive que fazer um resumo das questões com o pouco que eu tinha entendido para conseguir responder”, disse ela.
O aluno Ítalo Santos, 21, complementa: “A gente precisa estudar muito português para melhorar o vocabulário, facilitar o entendimento de conceitos abstratos e melhorar a leitura”.
Aluna da professora Nanci, Ana Carolina Silva, 21, diz que tem treinado bastante redação em sala, além de assistir em casa vídeos em língua de sinais no YouTube para revisar outros conteúdos. A redação deverá ser escrita em português, mas a correção irá considerar o atendimento específico do candidato surdo. Uma equipe bilíngue corrige a prova segundo mecanismos de avaliação que consideram a língua portuguesa como segunda língua, de acordo com o Decreto n° 5.626, de 22 de dezembro de 2005. As salas onde será aplicada a novidade terão, no máximo, 20 participantes.
A videoprova terá o mesmo número, ordem e valor de questões da prova regular. O participante surdo poderá escolher qual área do conhecimento quer responder primeiro e poderá assistir aos vídeos na ordem em que preferir. Haverá ainda um técnico em informática, para resolver eventuais problemas, e dois intérpretes para fazer a tradução entre os candidatos e fiscais ou o técnico.
“Esperamos que, com a adoção da videoprova, os alunos surdos consigam resultados melhores e ingressem nas diversas faculdades do país”, diz André Cordeiro, professor do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines).
Parceria
O recurso foi desenvolvido pelo Inep, em parceria com especialistas do Ines, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dentre outros, e já tem sido utilizado nos vestibulares da UFSC e da Universidade Federal de Santa Maria.
“Os alunos se sentiram mais confortáveis com uma prova traduzida em sua língua, a Libras”, relata o professor André. De acordo com ele, os alunos surdos poderão concorrer às vagas nas universidades em igualdade com os ouvintes. As questões propostas poderão ser resolvidas sem que seja preciso ultrapassar a barreira linguística, imposta com uma prova disponibilizada apenas em língua portuguesa.
O CORREIO procurou professores da UFSC, para falar sobre a videoprova, mas eles não puderam dar informações por causa do sigilo com o Inep.
Além da barreira linguística, candidatos surdos que fizeram o Enem 2016 disseram que receberam, por engano, a prova para candidatos cegos – que era lida por um fiscal e não tinha imagens, o que dificultou ainda mais o entendimento. Eles entraram com ação coletiva no Ministério Público.
Perguntada sobre seu maior medo se não tivesse a prova traduzida para Libras, a aluna Silvana Matos, 23, foi enfática nos símbolos e respondeu: “Português”. Atualmente, as provas que a deixam apreensiva é reclamação recorrente entre os participantes ouvintes: “Tenho medo de Física, Matemática e Química”, disse ela, que fará o Enem pela primeira vez.
DVDs
Cada participante receberá um notebook e DVDs, nos quais estão gravados em vídeo um intérprete de Libras, dando as orientações da prova, os enunciados das questões e as alternativas
Autoexplicativo
O menu do vídeo será simples (um exemplo de como será a prova está disponível em: http://simuladolibras.coperve.ufsc.br/questoes/1). O aluno terá de responder no cartão de respostas
Na ordem que preferir
O participante poderá escolher qual parte fará primeiro
Observação
Nas questões de Língua Estrangeira, serão traduzidos os trechos originalmente em português
Exame inclui outros atendimentos
Além da videoprova, o Enem oferece alguns recursos para candidatos que, no ato da inscrição, declaram necessitar de atendimento específico ou especializado.
O resultado da análise dos laudos comprobatórios deve ser consultado no site do Enem, na página do participante. O atendimento específico é garantido para gestantes, idosos, lactantes, dentre outras condições específicas, como diabéticos que utilizam bomba de insulina. Já o atendimento especializado é concedido aos candidatos com condições de autismo, baixa visão, cegueira, deficiência física, deficiência intelectual/mental, déficit de atenção, discalculia, dislexia, surdez, deficiência auditiva, surdocegueira e visão monocular.
Os participantes que solicitam atendimento especializado ou específico têm acesso a benefícios de acordo com sua condição. Além da videoprova, o Inep disponibiliza guia-intérprete, tradutor-intérprete de Libras, leitura labial, prova ampliada (com fonte de tamanho 18 e figuras ampliadas), prova em braile, prova superampliada (fonte de tamanho 24 e com figuras ampliadas), auxílio para leitura, auxílio para transcrição, tempo adicional, sala de fácil acesso e mobiliário acessível, dentre outros mecanismos que buscam promover a acessibilidade.
Este ano, o número de solicitações de atendimento especializado e específico foi menor que no ano passado, de acordo com dados do Ministério da Educação (MEC) e do Inep. Em 2017, 52.270 candidatos requisitaram atendimento especializado e 8.716 requisitaram atendimento específico. No ano passado, foram registrados 72 mil pedidos de atendimento especializado e 107,4 mil atendimentos específicos.
A redução do número de atendimentos específicos se deve, principalmente, aos sabatistas, candidatos que solicitavam iniciar a prova que era aplicada no sábado mais tarde por motivos religiosos. Pela primeira vez, as provas do Enem serão aplicadas em dois domingos consecutivos, nos dias 5 e 12 de novembro. Na Bahia, 2.531 candidatos solicitaram atendimento especializado e 857 solicitaram atendimento específico para o Enem 2017.
Por Raquel Saraiva (redacao@correio24horas.com.br)